sábado, 26 de abril de 2008

MENINOS

Até que um dia tenho a honra de postar algo desse tão estimado amigo, Tiago Collovini. Acho interessante a maneira que ele escreve: o jogo de palavras, os novos sentidos criados e a análises feitas tornam o trabalho pra lá de interessante. Noto a influência da Clarisse na maneira introspectiva da escrita, já que, assim como eu, ele também é fã do trabalho dela.

Ps. Logo quero ver o Tiago publicando um livro...


Por um instante, pensou em dizer que o amava. Mas pensou assim, naquele frágil instante que efemeramente atinge o pensamento em momentos de desatenção. Preferia olhá-lo brincar, quieto no tapete cor-de-café. Um menino. Livre e desobstinado no meio da sala: carrinhos de plástico, homenzinhos de plástico, pureza mordaz dos que nada escondem. Naqueles quatro anos de convivência, não tinha aprendido o que os seus trinta e quatro forçosos anos queriam lhe mostrar, talvez. Por isso olhava, imóvel diante da nitidez do filho. Um dia pensara em sentar para o menino e fixá-lo nos olhos, obrigando-o a ser dele. Inútil vontade que sabia não ser leal. Era um homem que desintegrava diante de situações de perigo. Quando ele crescesse, quem sabe, quando fosse médico ou advogado ou dentista ou pedreiro ou mendigo ou cantor de rock. Quem sabe quando fosse igual a ele, quando estivessem em situações semelhantes, medrosos. Nesse dia diria de todo o seu encanto por infâncias e segredos. Seria um pai doce em quem o menino pudesse confiar.

Todos os dias, quando saía de casa, flamejava em dores de pai - virava a chave na fechadura e sentia que mais um dia começava em desilusão de nada ter dito. Descia escadas, dirigia carro, pagava contas e, no máximo, dava-lhe um beijo ao chegar, no seu simbólico ritual de aproximação amorosa. O menino, contrariado, nem levantava os olhos. Parecia o tapete protegê-lo das oscilações dramáticas do pai - seguia manejando o trenzinho, rotineiro em seu afazer de ser criança. Nem de seus medos sabia o pai, nem de seus monstros. Sussurrava um doído apelo de amor em sobrancelhas grossas e fechadas. Soltava o cinto, devagar espalhava-se no sofá, cuidadoso em não desmontar o castelo do filho. Era cenário, era a vaca da fazenda. Malhado e estático, mugia. Onde encontraria a coragem, meu deus, em que folha do livro ela estava escrita. Ainda seguro em sua condição de passageiro naquele mundo encantado, assistia da janela ao desenrolar de uma vida: uma palavra nova, o fêmur mais alongado, as construções silábicas mais completas. Em nada disso ele tinha sua digital impressa, não fossem os olhos e as sobrancelhas peludas. A ameaça vinha ao seu encontro, e ele, verde de desejo, sucumbia. Sofria por não ser o dono, aquele homem, o gerente de recursos humanos. O apartamento exalava a vitória infantil. Brinquedos e sobremesas nos cantos mais diversos, nas gavetas de madeira que, sorrateiramente, incriminavam-no pela sua existência de pai. Incerto, fugia para o banheiro e deixava a água escorrer pelos pêlos, pronto para se deixar transparecer numa figura confiável. Era quando tinha mais vontade de resgatar o gesto que não tinha feito, a palavra que não havia dito, o olhar que se perdeu no confronto com o rosto da criança. Engenhava seus carinhos e depois chorava seus espantos. Triste, confortável à situação de código sem barras.

Num inverno, enquanto confessava, perseverante, sua anterior situação de criança, veio o golpe. Os olhos de jabuticaba fitavam-no com uma voracidade cruel, comendo-o em curiosidade. Pararam-se os trens e o tapete restringiu-se ao seu retângulo habitual. O homem era inflável, um balão de São-João subindo por cima das matas. A perplexidade dos bracinhos parados oferecia à sala um clima de atenta platéia e apertava o homem contra um caminho sobre o qual pretendia não andar. Sentiu-se grande e quis pular, mas não podia fraquejar diante de tamanha responsabilidade. Se pelo menos o jantar estivesse servido. Consumia-se em desespero, enquanto o menino, quieto, exigia sua delicadeza em doses que temia não poder alcançar. Foi aí que os ânimos novamente se fizeram em máscaras, o tapete se abriu, o trenzinho apitou, os olhinhos pretos voltaram novamente a mirar os brinquedos.

Naquele instante, em algum lugar do mundo, um balão se queimou, espalhando suas fagulhas pela mata desconhecida.

segunda-feira, 10 de março de 2008

APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS

Sim. Há tempos não posto. Os motivos? Vários. Um dos principais é a bendita rotina, outro considerável, é a decisão de não me expor sendo tão pessoal. Incrível, mas a mediação dos posts anteriores me fez pensar, sentir-me vulnerável, pensar, analisar a reação nas pessoas, pensar...

De qualquer forma vou aproveitar a última mudança, várias nos últimos tempos de 180°, que aconteceu essa semana na minha vida e também mudar radicalmente o foco dos posts.

Resolvi abrir um espaço para as pessoas que eu amo, e consequentemente, fazem parte da minha vida.

A minha saga com essa ”pimentinha” é antiga, começou por acaso num antigo fórum de internet sobre o anime “Saint Seiya”. O resto deixarei pra ela contar: O que acontece quando a lâmina forjada na mão do santo de capricórnio - capaz de cortar tudo a sua frente - encontra a eterna barreira de gelo do santo aquariano - que ninguém é capaz de destruir.

Quem assistiu “Saint Seiya” entendeu essa analogia :P

Valeu Vanessa! Curti e me identifiquei muito com o texto!!


Tenho um amigo. Mas todo mundo tem amigos, essa não é a novidade. Ele me ensinou várias coisas sobre a vida e sobre mim. Aqui, começa a novidade. Algumas amizades são naturais, são espontâneas...a afinidade cresce, você se empolga com a pessoa, começam a conversar, vão se conhecendo...

Mas a historia dessa amizade foi quase ao contrario, é uma historia de como quase perder um amigo e ganhar em troca algo de inestimável.

Dizem que essa história de signos não funciona, mas serão nossos personagens de hoje: uma capricorniana surtada e um aquariano maluco. Não tem como ser diferente, capricornianos sempre serão preocupado, controladores, tentaram te contar como a vida será daqui a 50 anos e tentará ensinar a todos como viver “corretamente”. Aquarianos sempre tentaram te mostrar como viver os 50 anos, como se fossem 18250 dias... Ou seja, como viver cada dia como se fosse o único, não levaram a serio nenhum planejamento em longo prazo, tampouco levará a serio as rabugices capricornianas.

São como completos opostos, que não terão paciência para se entender. Mas quando isso aconteceu, virou uma grande admiração.

Essa amizade que durou longos tempos e momentos de grande tensão mostrou que quando duas pessoas se gostam e se propõe a serem amigas, a reconsiderar e entender o outro, as coisas podem dar certo. Não importa se haja medo, se haja distancia.

O aquariano dizia-se uma pedra de gelo, na verdade, o pólo norte inteiro (sem aquecimento global), frio, duro, intocável e deserto. A capricorniana sempre disposta a mostrar para ele que a vida não precisava ser assim tão solitária. Mas quando se vive muito tempo sozinho é difícil olhar para o espaço vazio e imaginar a mobília, os ecos são grandes, os espaços parecem maiores. Encontrar um lugar para entrar e não parecer uma “anomalia” em meio a tanto branco, a tantos espaços vazios é difícil, tudo parece grande. A solidão tem vários disfarces, pode se disfarçar de grande movimentação, agitação ou pode se disfarçar de grande crença em planos que nunca se realizaram.

A convivência é difícil, mas dela depende a amizade. É preciso aprender a não desistir, a encontrar sempre um motivo para compreender, para seguir em frente. Sempre que se caminha um pouco na direção certa, se encontra novidade... é uma jornada que se faz ao lado de alguém, mas é solitária, as vezes não se conversa, as vezes não se enxerga o outro, as vezes é preciso parar, as vezes correr... mas quando se olha para trás a visão que se tem recompensa todas as dificuldades. O saldo é sempre positivo.

Foi isso que a capricorniana viu quando olhou para trás depois de muitos anos seguindo seu caminho em meio ao pólo norte, sentindo frio, caminhando contra ventos fortes... que valeu a pena. Ela aprendeu a ouvir a voz do vento, a olhar para o chão e para as estrelas e deixou de temer aquele espaço tão vazio.

O aquariano percebeu que a cada passo dentro de si era possível ir mobiliando, era possível ir andando sem medo que o gelo derretesse...e se derretesse continuaria a mesma coisa...porque a pureza do branco está muito alem das aparências.

É preciso continuar caminhando e não esquecer do verdadeiro motivo dessa trajetória: a amizade.