domingo, 16 de setembro de 2007

Saudades

Após ter passado a semana do cão, acabou. A saga começa já na segunda-feira, que parecia corriqueira, até receber a notícia que a minha avó tinha falecido. Mesmo sendo esperado, já que ela estava muito doente, por umas quatro horas após a noticia, fiquei em choque, refleti todos os momentos em que passamos juntos, que não foram poucos. Cheguei a morar um tempo com ela e por muitos anos, foi um dos pilares psicológicos.

Lembro ainda quando criança todos os valores morais passados, a preocupação que ela e meu avô tinham na criação minha e de meus irmãos, já na adolescência, o clima da casa dos meus pais era realmente terrível: separação, brigas por bens, além da minha mãe nunca ter sido uma pessoa de fácil convivência, muito menos meu pai, o que me restava? Ir posar na casa da minha avó.

Com o passar dos anos acompanhei o crescimento dessa relação com a minha avó, que ultrapassou a de apenas neto, e nos tornamos grandes amigos. Ela comentava coisas bem pessoais e contava histórias de quando morava ainda no interior do estado, Santo Ângelo, quais os namoros que teve antes de conhecer o meu avô, o dia a dia da família de sete irmãos e, o mais interessante, fazíamos um paralelo de valores entre a juventude dela e a minha.

Nessas tardinhas, acompanhadas do chimarrão, depois que eu voltava da escola, se criava tal atmosfera que lembro claramente, chegava a imaginar as histórias contadas e, de qualquer forma, analisava suas atitudes, o que foi importante para a minha formação psicológica.

Bom, o tempo passou e já com 84 anos, morava numa casa geriátrica, com a morte dos seus últimos dois irmãos, sua saúde foi pirando rapidamente. Ultimamente tinha dificuldade de falar, já não caminhava, estava praticamente vegetando.

Na última vez que a vi, bastante debilitada, suas últimas palavras, olhando fixamente nos meus olhos foram: “Não esqueça de mim porque eu não vou esquecer de ti”, não há como esquecer de uma pessoa de tal importância. Certamente levo um pouco dela comigo, já que fui total influenciado, além do sangue ser o mesmo. As imagens, dos momentos que passamos juntos, giram na minha cabeça: a cor da casa antiga de madeira, a máquina de costura, o cheiro do alecrim no quintal, o gosto da comida, a música do programa católico de rádio, as flores das cortinas que cobriam as janelas antigas e largas, o vermelho dos móveis de design setentista da cozinha, as louças antigas que ela guardava para ocasiões especais, a bíblia na cômoda como uma foto do papa ao lado da imagem de cristo...

A saudade aperta o peito, mas, são essas lembranças que me ajudam a encaram a vida e seguir seu exemplo. A jornada dela acabou nessa segunda-feira por aqui, mas no meu coração, ela vai estar sempre presente.

4 comentários:

Unknown disse...

Cara... legal o seu texto... carregado de lembranças e sentimentos... parabéns e bola pra frente!

Ana Reczek disse...

Puxa coelhinho... fiquei com lágrimas nos olhos. Que bom que tu escreveu tudo isso... lindo de ler e provavelmente um alívio de escrever, de registrar essas lembranças.

Tu escreve muito bem, muito melhor do que eu imaginei, sinceramente. Finalmente consigo te ver como um jornalista.

te amo, meu lindo, segue firme na tua busca pela tua carreira e pela tua felicidade, sei que a tua vó vai estar fazendo coro comigo na torcida.

beijos.

Leandro Lautert disse...

As pessoas que não te conhecem devem pensar que escrever isso não combina muito contigo, mas lá no fundo tu tem um Luis Fernando Veríssimo escondido.

Primo, inúmeras vezes acreditei que a morte era o final de tudo, mas com o tempo passei a me deparar com situações onde comecei a cre que o fim de tudo é o momento que deixamos de ser sonhadores, deixamos de crer na nossa própria capacidade.

Aprendi a conhecer um cara muito relista e um ser maravilhoso que é você e, essa tua crônica só vem a acrescentar mais admiração por você e por teu caráter.

Tu é um grande cara que tenho o gosto de chamar de amigo e felizmente tem meu sangue também.

um abraço

Clodie disse...

Ah, esse seu texto me fez chorar, meu amigo. Muito bonito! Pensei nos meus dois avôs (já que não cheguei a conhecer nenhuma das minhas avós) que também já faleceram. Mas o seu texto é cheio de ternura, nostalgia, afeição e muito amor. Você lembra de sua avó com tanto afeto que dá vontade de chorar. E eu fico emocionado também porque não vejo a minha familia há alguns anos, já. Muito lindo o seu trabalho, Jack! Sou o seu mais novo fã. Um abraço apertado, Clodie